Números, causas e o caminho para prevenção do carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço
- daniellezanandre
- 23 de abr.
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Com cerca de 890 mil casos e 450 mil mortes anuais, segundo o levantamento Globocan da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS) o carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço (CECP) é um grupo de tumores malignos que envolve a cavidade oral, faringe, hipofaringe, laringe, cavidade nasal e glândulas salivares, que compõe o sétimo diagnóstico de câncer mais comum em todo o mundo.

A principal etiologia (causa) está no efeito sinérgico entre álcool e tabaco, sendo que o consumo excessivo de ambos aumenta o risco da doença em 40 vezes. Outros fatores de risco importantes no mundo são a infecção pelo papilomavírus humano (HPV), consumo de Noz de areca e infecção pelo vírus Epstein-Barr (VEB).
Os dados são do estudo Epidemiology, Risk Factors, and Prevention of Head and Neck
Squamous Cell Carcinoma, um trabalho de revisão publicado em 2023 na revista científica Medical Sciences por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e outras instituições dos Estados Unidos.
O estudo destaca que o CECP é responsável por aproximadamente 4,5% dos diagnósticos e mortes por câncer, sendo que nos países em desenvolvimento a incidência desta doença está aumentando conforme cresce o consumo de tabaco (fumado ou mascado), álcool e noz-de-areca (noz-de-bétele). Os autores chamam a atenção também para o fato de que nos países desenvolvidos o CECP relacionado ao vírus HPV supera as doenças relacionadas ao tabaco e ao álcool.
O cirurgião oncológico Dr. Luiz Paulo Kowalski, ao analisar o estudo, observa que o mérito da pesquisa está em apresentar um completo e atualizado cenário do câncer de cabeça e pescoço no mundo. “São dados sobre perfil epidemiológico, incluindo número de casos, taxas de mortalidade, distribuição entre as regiões, fatores de risco e principais causas, que podem orientar as tomadas de decisão de políticas de saúde em âmbito local, regional e global”, enaltece Kowalski.
Os autores acreditam que discrepâncias na etiologia, bem como disparidades nas escolhas de estilo de vida e no acesso à saúde, podem ser responsáveis pela maior incidência e menor sobrevida do carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço (HNSCC) entre comunidades minoritárias e de menor status socioeconômico em países desenvolvidos. A farmacoterapia e o aconselhamento, em conjunto, mostram os dados do trabalho, demonstraram ser eficazes na promoção da cessação do tabagismo e do consumo de álcool. A educação sobre o risco de câncer e o envolvimento comunitário reduziram o consumo de noz de areca na Ásia. Por sua vez, a vacinação contra o HPV, demonstrou reduzir a prevalência de sorologias de HPV de alto risco e prevenir lesões pré-cancerígenas do colo do útero, vagina e vulva.
EPIDEMIOLOGIA DO CARCINOMA ESPINOCELULAR DE CABEÇA E PESCOÇO
A incidência global de CECP inclui aproximadamente 380 mil casos de câncer de lábio e cavidade oral, 185 mil de laringe, 133 mil de nasofaringe, 98 mil de orofaringe, 84 mil de hipofaringe e 54 mil de glândulas salivares. As taxas de incidência e mortalidade variam amplamente de acordo com a região geográfica e as características demográficas.
Globalmente, o carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço é mais comum em homens do que em mulheres, com uma proporção homem-mulher de aproximadamente 2 para 1, e em adultos com mais de 50 anos de idade. As taxas de incidência de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço são mais altas no Sul e Sudeste Asiático (onde a mastigação da noz de areca, cancerígena, é prevalente). A incidência global de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço tem aumentado em muitos países, particularmente em populações mais jovens, com um aumento anual previsto de 30% na incidência até 2030. Essa tendência é parcialmente atribuída a mudanças em fatores de estilo de vida, como o aumento do consumo de álcool e do uso de tabaco em países em desenvolvimento, bem como à crescente prevalência de câncer orofaríngeo relacionado ao papilomavírus humano (HPV).
Estima-se que o HPV ultrapassará o tabaco como o principal contribuinte para a carga global de câncer de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço, fazendo com que a incidência de carcinoma espinocelular de orofaringe supere a de câncer oral (que é predominantemente relacionado ao tabaco). Da mesma forma, na última década, os casos de câncer de laringe aumentaram 23%. Mulheres mais jovens em países desenvolvidos têm observado um crescimento acentuado na incidência, provavelmente devido a mudanças nas expectativas culturais específicas de cada sexo em relação ao consumo de tabaco e álcool, bem como à crescente carga de HPV.
FATORES DE RISCO DO CARCINOMA ESPINOCELULAR DE CABEÇA E PESCOÇO
Os principais fatores de risco comumente associados ao câncer de cabeça e pescoço incluem tabaco, consumo de álcool, uso de noz-de-areca, infecção pelo papilomavírus humano (HPV) (particularmente para cânceres de orofaringe) e infecção pelo vírus Epstein-Barr (VEB) (especialmente prevalente na Ásia, particularmente para cânceres de nasofaringe).
TABAGISMO
O uso do tabaco continua sendo o principal fator de risco para carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço, responsável por cerca de 75% de todos os casos. O tabaco contém inúmeras substâncias químicas cancerígenas, como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, nitrosaminas, aminas aromáticas e aldeídos, que são liberados durante a combustão em alta temperatura e que são conhecidos por danificar o DNA nas células das mucosas das vias aerodigestivas superiores e levar ao desenvolvimento de câncer. Fumantes pesados apresentam um risco de 5 a 25 vezes maior de desenvolver carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço (HNSCC) em comparação com não fumantes, enquanto fumantes de cachimbo e charuto apresentam um risco menor, porém ainda maior que os não fumantes.
O uso regular de tabaco de mascar também está associado a um risco 1,7 vez maior para câncer oral especificamente. Indivíduos com certas predisposições genéticas e metabólicas, incluindo consumo excessivo de álcool concomitante, apresentam o maior risco de desenvolver HNSCC com o tabagismo. A exposição ao fumo passivo na infância apresentou um risco 1,28 vez maior para HNSCC, ajustada para tabagismo, consumo de álcool e status de HPV.
ÁLCOOL
Estima-se que o consumo de álcool entre não fumantes seja responsável por 4% dos casos de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço em todo o mundo. O risco de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço aumenta de forma dose-dependente com a quantidade e a frequência do consumo de álcool (risco relativo de 1,3 vez para todos os bebedores e 2,5 vezes para bebedores pesados (> 50 g/dia), com o maior risco observado entre indivíduos que consomem mais de três doses de bebidas alcoólicas por dia.
O risco de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço também varia de acordo com o tipo de bebida alcoólica consumida, com riscos mais elevados observados entre indivíduos que consomem bebidas destiladas (por exemplo, uísque ou vodca) do que entre aqueles que consomem cerveja ou vinho, embora esse efeito possa não ser significativo quando ajustado para a concentração de álcool. A propriedade do álcool como solvente aumenta a suscetibilidade do tecido mucoso a carcinógenos como fumaça ou nitritos em alimentos.
O acetaldeído, produzido a partir do etanol pela enzima álcool-desidrogenase, também demonstrou ser mutagênico. O acetaldeído é responsável por muitos dos sintomas do consumo excessivo de álcool. Álcool e tabaco têm um efeito multiplicador no carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço. Projeta-se que o aumento do consumo de álcool e tabaco seja o principal fator contribuinte para o aumento da incidência global de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço nas próximas décadas, particularmente em países em desenvolvimento.
O uso excessivo concomitante de álcool e tabaco demonstrou aumentar o risco de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço em 40 vezes.
NOZ DE ARECA
No sul e sudeste da Ásia e na Polinésia, a mastigação da noz de areca, também conhecida como betel quid, é responsável por mais da metade dos casos de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço oral e orofaríngeo. A prevalência do consumo varia de 33,8% no Sri Lanka a 76,8% nas Ilhas Salomão. A mastigação pode fazer parte de rituais ou ser recreativa, pois o composto tem efeitos psicoativos por meio do antagonismo dos receptores GABA, resultando em estado de alerta, euforia e supressão do apetite.
De fato, cerca de 600 milhões de pessoas mastigam nozes de areca em todo o mundo, e ela é considerada o quinto agente psicoativo mais comumente usado, depois do álcool, nicotina, cafeína e cannabis. Em alguns desses países, a noz-de-areca é o estimulante e supressor de apetite mais acessível e barato, tornando seu uso particularmente prevalente em populações rurais e carentes.
A noz de areca pode frequentemente ser preparada com tabaco adicionado, o que pode ser responsável por cálculos de risco díspares. Um estudo da Índia encontrou um risco 3 vezes maior de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço (HNSCC) com a mastigação de areca sem tabaco e um risco 8 vezes maior com tabaco, enquanto um estudo de Taiwan relatou um risco 10 vezes maior sem tabaco. Ambos os estudos relataram curvas dose-resposta positivas.
INFECÇÃO PELO VÍRUS HPV
O HPV é responsável por 72% de todos os casos de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço em países desenvolvidos, em comparação com 13% dos casos em países em desenvolvimento (conforme indicado pela positividade do p16 na imuno-histoquímica). O HPV 16 é responsável por 85% a 90% dos casos de HNSCC orofaríngeo relacionados ao HPV na América do Norte, em contraste com o câncer cervical, onde o HPV 16 e o HPV 18 são responsáveis por 50% a 75% dos casos. Os fatores de risco para câncer orofaríngeo associado ao HPV incluem histórico de múltiplos parceiros sexuais, sexo anal, sexo oral (com a boca na genitália feminina conferindo o maior risco) e um sistema imunológico enfraquecido.
A comorbidade com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) é comum, com mulheres com HIV apresentando um risco 1,5 a 2,5 vezes maior de HPV. Globalmente,
aquelas com mais de quatro parceiros sexuais orais apresentam 2,25 vezes mais risco de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço.
OUTRAS CAUSAS
O uso de ópio tem sido associado a um risco elevado de câncer de laringe. O ópio, uma substância ilícita derivada da planta da papoula, é obtido do suco da vagem verde e contém vários alcaloides. O ópio é classificado como cancerígeno para humanos quando fumado ou consumido em várias formas, incluindo ópio cru, em escória ou em seiva.
O carcinoma nasofaríngeo, embora incomum na maioria das populações, é prevalente no sul da China, estando entre os cânceres mais frequentemente diagnosticados na região. Pesquisas estabeleceram o envolvimento significativo do vírus Epstein-Barr (VEB) como o principal fator causal no desenvolvimento do carcinoma nasofaríngeo. Além disso, a infecção crônica pelo vírus da hepatite C (VHC) tem uma forte associação com a ocorrência de carcinoma hepatocelular, e tem sido associada a várias outras doenças malignas, como distúrbios linfoproliferativos.
CAMINHOS PARA A PREVENÇÃO
Não fumar
Reduzir o consumo de álcool
Não consumir noz de areca
Aderir aos exames de rastreamento e vacinação contra o HPV
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
O objetivo, com a prevenção secundária, é diagnosticar a doença precocemente. A partir de 2017, os dentistas dos Estados Unidos são obrigados a realizar exames orais como parte de encontros de bem-estar, embora a adesão nacional à prática tenha sido mista. Dados de 1998 revelaram que apenas 15% a 19% dos adultos com mais de 40 anos relataram ter realizado um exame de câncer bucal; A Força-Tarefa de Triagem Preventiva dos EUA encontrou evidências insuficientes para recomendar o rastreamento regular do câncer bucal para adultos de risco normal, embora a Sociedade Americana do Câncer recomende o rastreamento.
O maior fator de risco para carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço é um histórico prévio da mesma doença, o que aumenta o risco anual de um segundo tumor primário em 2% a 7%. Pacientes com leucoplasia oral pré-maligna apresentam um risco de câncer bucal ao longo da vida de aproximadamente 12%. Pacientes com síndromes hereditárias de câncer, como anemia de Fanconi e síndromes de Li-Fraumeni e Plummer-Vinson, bem como imunossupressão, também associada ao aumento do risco de carcinoma de cabeça e pescoço (CCECP), devem ser submetidos a exames preventivos.
Um estudo sobre intervenções de triagem oral realizado na Índia constatou uma maior detecção de casos em estágio inicial, mas não encontrou uma redução estatisticamente significativa na taxa de mortalidade, no entanto, para homens que fazem uso de tabaco e álcool, a redução foi significativa. Em comparação com o exame visual, métodos alternativos como coloração com azul de toluidina, biópsia por escova ou imagem por fluorescência não demonstraram reduzir a mortalidade por CCECP. O rastreamento de rotina para infecção por HPV não é recomendado atualmente.
Referência do estudo
Barsouk A, Aluru JS, Rawla P, Saginala K, Barsouk A. Epidemiology, Risk Factors, and Prevention of Head and Neck Squamous Cell Carcinoma. Med Sci (Basel). 2023 Jun 13;11(2):42.
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