O esvaziamento cervical por via retroauricular, uma técnica cirúrgica que consiste em realizar uma incisão no pescoço com acesso por atrás da orelha para remover gânglios linfáticos e tratar pacientes com diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço possivelmente seja eficaz para melhorar a qualidade de vida dos pacientes quando comparado com a técnica convencional, que ocorre por meio de incisão curvilínea transcervical no pescoço ao longo de uma prega natural da pele.
Por meio da vida retroauricular, os pacientes incluídos em um estudo piloto apresentaram menor incidência de complicações pós-operatórias e menor tempo de internação hospitalar, além de menor comprometimento funcional e melhor qualidade de vida pós-operatória. Além disso, apresentam maior amplitude do movimento da coluna cervical e mais força muscular do músculo trapézio, que sustenta o pescoço.
Estas são as principais observações trazidas no estudo Functional outcomes and quality of life in patients who undergone conventional or endoscopic/robotic retroauricular neck dissection: a case-control study, publicado na revista científica Gland Surgery, por um grupo interdisciplinar de pesquisadores brasileiros, casos dos cirurgiões oncológicos Luiz Paulo Kowwalski, Marco Aurélio Kulcsar e Renan Bezerra Lira e dos fisioterapeutas Erickson Borges Santos e Telma Ribeiro Rodrigues.
O estudo envolveu 35 pacientes, incluídos consecutivamente, que foram submetidos a esvaziamento cervical unilateral por câncer de cabeça e pescoço, sendo que 25 submetidos à cirurgia convencional e 10 à nova abordagem retroauricular. O local mais acometido foi a orofaringe seguida pela tireoide nos dois grupos e os níveis mais frequentemente dissecados foram I-III em ambos os grupos. Os pacientes foram avaliados no pré-operatório e no 30º dia de pós-operatório quanto à amplitude de movimento (ADM) da coluna cervical e ombro, força muscular do trapézio e qualidade de vida.
Comparativamente, o tempo de internação foi de maior no grupo convencional (GC) que no grupo retroauricular. Os escores de dor no trigésimo dia pós internação também foi maior no grupo controle. Em todas as variáveis analisadas quanto aos movimentos da coluna cervical e de força do músculo trapézio, os resultados foram melhores com a técnica de acesso por trás da orelha. “Mostramos que abordagem retroauricular pode ser segura e eficaz quando realizada por cirurgiões com treinamento e experiência, e poderá vir a ser uma opção com menor morbidade funcional para esses pacientes, ressalta o cirurgião oncológico Dr. Luiz Paulo Kowalski, que é um dos autores.
A busca pela evidência científica
Embora o esvaziamento cervical retroauricular seja praticado há mais de uma década, até o momento não havia um estudo comparasse objetivamente o efeito da abordagem retroauricular em relação à convencional na morbidade funcional no esvaziamento cervical unilateral. Se fazia necessária uma avaliação objetiva das alterações funcionais e da qualidade de vida para uma melhor exploração e compreensão dos possíveis riscos, benefícios, vantagens e desvantagens de cada técnica.
Na população com câncer de cabeça e pescoço, o esvaziamento cervical seletivo (SND) eletivo ou mesmo terapêutico tem sido estabelecido como uma opção segura, eficaz e menos mórbida do que o esvaziamento cervical radical (RND), quando aplicado adequadamente. Porém, apesar de sua característica menos mutiladora, esses procedimentos podem impactar significativamente a vida diária do paciente, devido a grandes incisões cervicais, manipulação de músculos e nervos cervicais e alterações na drenagem linfática do pescoço.
Entre as complicações funcionais frequentemente relatadas por pacientes com esvaziamento cervical estão a dor, redução da amplitude de movimento (da coluna cervical e ombro), alterações de sensibilidade e pior qualidade de vida. Além disso, devido a ressecção do tumor primário, funções importantes como fala, deglutição, respiração, olfato e paladar podem ficar comprometidas, trazendo consequências para a qualidade de vida.
Neste sentido, o objetivo está em limitar as consequências funcionais, estéticas e psicológicas do acesso convencional. E a conclusão desse estudo piloto foi que a morbidade funcional pós-operatória foi menor nos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical retroauricular. A ADM da coluna cervical e a força muscular do trapézio foram melhores nos pacientes submetidos à abordagem retroauricular e a QV pós-operatória foi pior nos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical convencional. Os autores ressaltam que são necessários mais estudos prospectivos para confirmação desses achados.
Referência do estudo
Borges-Santos E, Rodrigues TR, Lira RB, Kulcsar MAV, Kowalski LP. Functional outcomes and quality of life in patients who undergone conventional or endoscopic/robotic retroauricular neck dissection: a case-control study. Gland Surg. 2024 Apr 29;13(4):490-499. doi: 10.21037/gs-23-471. Epub 2024 Apr 10.
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