Quase todos os tumores malignos que acometem a glândula parótida têm em comum o fato de receber a indicação de cirurgia para remoção do tumor primário. A diferença está nas abordagens adicionais, como esvaziamento cervical eletivo e terapia adjuvante, que vão depender do grau de agressividade e potencial risco de recorrência e de metástase. O estudo Malignant tumours of the parotid gland: management of the neck (including the clinically negative neck) and a literature review, publicado na revista científica British Journal of Oral and Maxillofacial Surgery confirma que pacientes com tumores de baixo risco não necessitam de tratamento eletivo do pescoço ou de radioterapia após cirurgia.
As principais neoplasias das glândulas salivares são raras, constituindo 1% a 3% dos tumores de cabeça e pescoço. As glândulas parótidas são as maiores glândulas salivares, localizadas abaixo e em frente das orelhas. Pelo fato, principalmente, de ser uma doença de baixa incidência, o manejo cirúrgico do pescoço clinicamente negativo (cN0) ainda não tem um consenso.
Ao analisar o estudo, Doutor Luiz Paulo Kowalski, cirurgião de cabeça e pescoço e diretor da clínica Kowalksi, aponta que, considerando-se a raridade de tumores de parótida e inexistência de estudos randomizados, avaliações de mundo real, como é o desenho deste trabalho, são importantes para atualizar os conceitos usados para decisões terapêuticas. “Na falta de estudos de maior impacto, trabalhos como esse ajudam a dar suporte a abordagem recomendada pela maioria dos guidelines”, afirma Dr. Kowalski.
Realizado na Itália por pesquisadores da Universidade de Napoli, Universidade de Sassari e do hospital Bellaria-Maggiore, o estudo confirma outras publicações prévias, incluindo trabalho publicado pelo grupo que conta com participação do Dr. Kowalski, que diferenciava os pacientes entre os que apresentavam maior e menor risco para metástases cervicais ocultas.
Grau de agressividade orienta a conduta terapêutica
O trabalho publicado pelas instituições italianas é um estudo retrospectivo de 119 casos com diagnóstico de câncer da parótida, tratados cirurgicamente entre janeiro de 1999 e janeiro de 2014. O objetivo foi analisar os achados pré-operatórios (características das células, tamanho, número de nódulos comprometidos e risco de metástase) e correlacioná-los com os resultados pós-operatórios (grau de agressividade da doença, características histológicas e metástases cervicais ocultas).
Os dados mostram que em pacientes sem comprometimento linfonodal detectado (cN0) e câncer de baixo grau e em estadios iniciais (T1 ou T2), a abordagem esperar para ver (vigilância ativa) é a preferida. Por outro lado, em pacientes com cNO, porém com tumores T3 e T4 de alto ou baixo grau, um esvaziamento cervical eletivo deve ser sempre planejado. Além disso, afirmam os autores, os níveis II, III e IV, no mínimo, devem ser dissecados. A decisão de dissecar o nível V ou I depende da localização do tumor primário.
No grupo cN0, 19 de 58 (32,7%) pacientes submetidos a cirurgia eletiva de pescoço apresentaram metástases ocultas. Em pacientes com pescoço clinicamente positivo, ou seja, que apresentavam comprometido nodular, pelo menos uma Dissecção Radical do Pescoço Modificada (MRND) deve ser realizada. O trabalho aponta também que os critérios para adicionar radioterapia adjuvante (PORT) incluem tumores de parótida de lobo profundo, lesões avançadas (T3-T4), doença residual microscópica (R1) ou macroscópica (R2) após a cirurgia, assim como tumores de alto grau, infiltração perineural, metástase de linfonodo, ruptura capsular e recorrência local após cirurgia prévia.
Na opinião do Dr. Kowalski, é importante que trabalhos futuros avaliem, na mesma situação clínica, o risco de recorrência quando o paciente não é irradiado. “Certamente não se pode desenhar tal estudo prospectivamente por óbvias questões éticas. Mas pode-se recuperar dados antigos, de um período em que a radioterapia não era recomendada e avaliar a história natural da doença nessas condições”, observa.
A decisão terapêutica em pacientes com tumores raros, como os de glândulas salivareis, é baseada fundamentalmente em estudos retrospectivos e experiências institucionais. Para cada caso específico é importante que seja avaliado em Tumor Board multidisciplinar, contemplando a extensão da cirurgia inicial tanto para o tumor primário quanto para o pescoço, assim como a necessidade ou não de tratamento adjuvante (radioterapia ou radioquimioterapia após cirurgia).
Referência do estudo
Dell'Aversana Orabona G, Salzano G, Abbate V, Bonavolontà P, Committeri U, Seidita F, Petrocelli M, Somma T, Improta G, Vaira LA, Iaconetta G, Califano L. Malignant tumours of the parotid gland: management of the neck (including the clinically negative neck) and a literature review. Br J Oral Maxillofac Surg. 2020 Aug 27:S0266-4356(20)30416-2.
Disponível em https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0266-4356(20)30416-2
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