Estudo com idosos mostra que fragilidades antes do tratamento influenciam qualidade de vida no câncer de cabeça e pescoço
- daniellezanandre
- 25 de set.
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Em Oncologia, os fatores que definem o sucesso do tratamento vão além do controle do tumor. Em pacientes idosos, especialmente os que enfrentam câncer de cabeça e pescoço, variáveis como nutrição, cognição, capacidade funcional e presença de doenças associadas podem ser tão determinantes quanto a escolha da cirurgia, radioterapia ou quimioterapia.

Essa é a conclusão do estudo Patient-related prognostic factors in older adults with head and neck cancer: The EGeSOR clinical trial, publicado por pesquisadores de instituições da França no European Journal of Cancer, que acompanhou mais de 500 idosos diagnosticados com câncer de cabeça e pescoço.
Os resultados mostram que fragilidades avaliadas antes mesmo do início da terapia oncológica se refletem meses depois em pior qualidade de vida, queda na autonomia e dificuldades de adesão ao tratamento. “O mérito deste trabalho está em obter, antes do tratamento, informações do próprio paciente sobre as suas potenciais fragilidades. Esse olhar propicia a nós oportunidades efetivas de oferecer um atendimento mais personalizado ao paciente geriátrico”, afirma o cirurgião oncológico Dr. Luiz Paulo Kowalski, especialista em tumores de cabeça e pescoço.
O estudo foi conduzido dentro do ensaio clínico francês EGeSOR, referência na oncogeriatria. Os pesquisadores acompanharam 475 homens e mulheres com 70 anos ou mais, diagnosticados com tumores de cabeça e pescoço, que iniciaram diferentes modalidades terapêuticas.
Antes do primeiro tratamento, todos os pacientes passaram por uma avaliação multidimensional, que investigou o estado nutricional, a função cognitiva, a capacidade de manter atividades diárias, a presença de doenças como hipertensão e diabetes e ainda aspectos emocionais e sociais, como sinais de depressão e a existência de rede de apoio. Os resultados mostram que déficits nessas áreas aumentaram significativamente a chance de pior qualidade de vida nos meses seguintes, independentemente da escolha terapêutica. Em outras palavras, um idoso com fragilidade cognitiva ou nutricional, por exemplo, tende a apresentar maior queda em indicadores de bem-estar mesmo quando submetido a um tratamento considerado padrão.
A qualidade de vida foi medida por questionários padronizados, aplicados em diferentes momentos, após o início do tratamento. O acompanhamento revelou que fatores identificados antes da cirurgia, radioterapia ou quimioterapia estavam fortemente associados ao desfecho posterior. Idosos com múltiplas fragilidades relataram maior dificuldade para se alimentar, falar e socializar, funções frequentemente afetadas por tumores localizados em boca, garganta ou laringe. Além disso, os pacientes mais frágeis apresentaram taxas mais elevadas de internações não programadas, complicações clínicas e necessidade de suporte adicional, como sondas de alimentação ou fisioterapia intensiva.
Para os pesquisadores, isso reforça a importância de antecipar intervenções de suporte. Um paciente com risco nutricional pode se beneficiar de acompanhamento com nutricionista e suplementação antes da perda de peso avançar. Já aqueles com limitações funcionais podem iniciar fisioterapia preventiva, reduzindo o impacto da doença e do tratamento sobre a mobilidade e a autonomia.
Ao analisar o estudo, o cirurgião oncológico Dr. Luiz Paulo Kowalski destaca que esse tipo de abordagem resulta, de fato, em medicina personalizada para o envelhecimento. “É um olhar para cada paciente, com suas histórias, vulnerabilidades e potenciais”, afirma. A pesquisa, reforça Kowalski, deixa evidente que avaliar fragilidades antes do tratamento não é apenas uma etapa burocrática, mas uma ferramenta poderosa que permite planejar terapias mais seguras e realistas, com foco naquilo que realmente importa, que é preservar a qualidade de vida do idoso.
O ensaio EGeSOR é considerado um dos maiores já conduzidos na interface entre oncologia e geriatria. Ao reunir 475 pacientes, trouxe evidências robustas de que variáveis clínicas, cognitivas e sociais têm peso significativo nos desfechos oncológicos. Embora realizado exclusivamente na França, o estudo traz implicações diretas para o Brasil, país que vive um acelerado processo de envelhecimento populacional. Estima-se que, até 2030, um em cada cinco brasileiros terá mais de 60 anos.
Nesse cenário, a incidência de cânceres associados à idade tende a crescer, aumentando a pressão sobre os sistemas de saúde. Especialistas defendem que hospitais oncológicos brasileiros incorporem avaliações geriátricas estruturadas como parte do protocolo inicial de atendimento. A prática já é comum em centros de referência europeus e norte-americanos, mas ainda encontra barreiras no Brasil, como falta de equipes multidisciplinares e carência de tempo nas consultas médicas. No país, a Oncogeriatria é realidade em poucos centros especializados.
Um dos principais aprendizados do estudo é que tratar o câncer não deve ser o único objetivo. Para pacientes idosos, a preservação da autonomia, da fala, da deglutição e da vida social é tão importante quanto a cura ou o controle da doença. Idosos com maior fragilidade inicial apresentaram quedas mais acentuadas nesses domínios, o que reforça a ideia de que terapias agressivas podem ter efeitos devastadores se não forem acompanhadas de suporte adequado. Por outro lado, pacientes previamente avaliados e encaminhados para cuidados de suporte apresentaram trajetórias mais favoráveis, mesmo em cenários clínicos complexos. Isso demonstra que a qualidade de vida pode ser preservada quando há planejamento e integração entre oncologistas, geriatras, nutricionistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psicólogos.
O estudo reforça que o câncer de cabeça e pescoço em idosos não deve ser tratado apenas como um desafio técnico-cirúrgico ou radioterápico. A doença impõe barreiras adicionais, que só podem ser superadas com uma abordagem centrada no paciente. A avaliação prévia de fragilidades oferece uma espécie de mapa para a equipe de saúde. Com base nele, é possível prever riscos, personalizar condutas e oferecer suporte desde o início, reduzindo complicações e ampliando o bem-estar.
Referência do estudo
Lafont C, Paillaud E, Jean C, Bertolus C, Baron M, Caillet P, Bouvard E, Laurent M, Salvan D, Chaumette L, de Decker L, Piot B, Barry B, Raynaud-Simon A, Sauvaget E, Minard A, Brugel L, Canouï-Poitrine F. Patient-related prognostic factors in older adults with head and neck cancer: The EGeSOR clinical trial. Eur J Cancer. 2025 Sep 9;227:115630.
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